São eles que nos sustentam, nos levam adiante, nos trazem o prazer do contato com a terra, nos dão firmeza, nos permitem correr, nos fazem chegar a lugares que queremos alcançar. Nossos pés são nossa base.
Entretanto – ou melhor, talvez por isso mesmo – em diferentes épocas e diferentes sociedades nos deixamos aprisionar e limitar através deles. Seja antigamente, com o cruel costume chinês de amarrar e aleijar os pés das meninas para que não crescessem e tivessem o formato de uma flor de lótus – condição que era considerada essencial para conseguir um bom casamento – até os dias de hoje, quando muitas vezes nos torturamos em cima de saltos e sapatos apertados em nome de um dress code imposto. Seria isso uma forma de sedução feminina? Ou uma maneira machista de exercer controle, nos tornando uma presa fácil?
imagem 1: "Pés de lótus" desenfaixados; Splendid Slipper A Thousant Yëars of An Erotic Tradition; Barkeley Jackson, 1997; pag. 128)
(imagem 2: Splendid Slipper A Thousant Yëars of An Erotic Tradition; Barkeley Jackson, 1997; cover)
Na verdade, o sapato de salto foi criado pelos Persas, para que pudessem manter os pés firmes no estribo e guerrear melhor. A ideia foi depois levada para a Europa, e os homens, principalmente os nobres, foram os primeiros adeptos. As mulheres começaram a usar sapatos de salto para equipararem-se aos homens. Possuir poder.
Até hoje algumas mulheres argumentam que estar olho-a-olho com os homens as fazem sentirem-se em pé de igualdade; algumas até falam que o desconforto do salto as coloca em estado de alerta, situação que acham importante para “enfrentar” os homens no ambiente de trabalho. Da mesma forma o poder se dá também com a sexualização; a imagem de feminilidade e de objeto de desejo que o salto alto reflete.
(imagem, 3: Shoes Plesure and Pain; Persson; Helen; 2015; cover)
Mas a verdade é que essa sensação de poder é uma limitação imposta. Desde a sua origem. No século XVIII o salto alto era um sinal de superioridade. Só a classe alta usava salto, pois só ela podia usar sapatos que limitassem o caminhar. As que precisavam trabalhar para se sustentar tinham que poder mover-se livremente. Tinham pés comuns. Entretanto, a mulher de hoje continua a ter seu caminhar limitado ao andar de salto alto, ainda que carregando o mesmo peso que o homem, correndo para pegar os mesmos aviões, subindo e descendo as mesmas escadas, com o risco de cair e deformando os pés. Sem conceber que é só isso que o salto faz: impede o livre caminhar.
A verdadeira sedução, o verdadeiro poder não está nas limitações; não está no aprisionamento; nem na subjugação a regras estéticas.
O poder é a liberdade de pisar firme, de sentir o chão, de se sentir bem e saudável.
A sedução não vem da altitude, mas sim da atitude do olhar.
E o prazer de caminhar, e chegar lá, tem que ser todo, deliciosamente e confortavelmente nosso!